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François GUICHARD, p. 467-483*
À la recherche du vin comme
révélateur littéraire. En relisant Jean Giono
Géographes ou historiens, nous aimons beaucoup orner de citations littéraires, comme
incantatoires, lorée de travaux qui ny font ensuite que rarement référence.
Ainsi, nous nen usons guère que comme décorations de façade. Cest bien
dommage : si nous les lisions de façon moins distraite, nous pourrions trouver dans bien
des textes dits de « fiction » matière à exercer nos talents disciplinaires
particuliers, à explorer des pistes encore peu fréquentées ou même inédites, et à y
découvrir des richesses insoupçonnées. Outre le plaisir ensorcelant que nous pourrions
prendre à fréquenter intimement une expression écrite dune qualité que nous
avons toute chance de ne jamais approcher, mais qui pourrait peut-être nous instiller,
comme par porosité, un peu plus dexigence envers notre propre façon de nous
exprimer.
Il est heureusement des exceptions qui peuvent nous servir de référents, comme
létonnante lecture géographique des Lusíadas qua su faire Orlando Ribeiro.
Cest aussi quil est, comme celle-là, des uvres qui sy prêtent
plus que dautres, pour sinscrire délibérément dans un temps et dans un
espace précis : on pourrait penser aussi, par exemple, à Mau Tempo no Canal (1944), de
Vitorino Nemésio, si soigneusement imbibé de son contexte açorien, ou à A Jangada de
Pedra (1986), de José Saramago, qui érige la Péninsule Ibérique et la frontière des
Pyrénées en acteurs romanesques à part entière. Il est dautres uvres,
comme celle de Julien Gracq, écrivain mais aussi géographe de métier, pour lesquelles
cest au cur même de lécriture que pénètre la sensibilité à
lespace, à latmosphère, au paysage.
La vigne, que sculpte le sécateur et qui à son tour modèle et ordonne les paysages,
comme le vin, porteur de gaieté et de folie, constitue depuis lAntiquité des
ingrédients littéraires très prisés. Ils sont, selon les cas, simples décors ou
véritables ordonnateurs dhistoires, supports ou prétextes dimages, paraboles
du sacré ou ressorts de passion, et toujours contribuent, si peu que ce soit, au goût et
au parfum quen fin de compte exhale le texte. Le moment où ils entrent en scène
peut avoir autant dimportance, dans la partition densemble de
luvre, que la musique quils y jouent.
Nous allons tenter de mettre en évidence ce moment, écouter cette musique et en
interpréter le sens, dans le cas dune des uvres romanesques les plus
puissantes du XXe siècle, celle de Jean Giono (1895-1970), dont lexceptionnelle
force créatrice sest profondément enracinée dans sa Provence montagneuse et en
fait surgir luniversel, un peu à linstar dun Aquilino Ribeiro ou
dun Miguel Torga. Nous avons en effet limpression que dans de nombreuses
histoires construites par ce magicien du verbe, le vin occupe un rôle symbolique de
première importance, lequel na pas encore été mis en évidence comme il le
mérite. Cest autour de lui, par son intervention ou sous prétexte de sa présence
que se construit le moment historique de la narration : le vin aurait ainsi une fonction
de révélateur littéraire.
Un peu paradoxalement, bien quelle fasse presque toujours partie du paysage de cette
hautes terres de la Provence intérieure, la vigne ici na jamais réussi à obtenir
un grand prestige et une bonne réputation. Car il sagit bien de ceci : à côté de
la géographie du réel et du concret, il existe une géographie de limaginaire, à
laquelle Jean Giono fut particulièrement sensible, et que le géographe peut aussi juger
digne détude et dattention.
* Note de la rédaction : ce résumé nest pas
conforme aux critères habituels des résumés de Lusotopie (en style impersonnel, de 15
lignes maximum, etc.). Mais cest le résumé que François Guichard avait lui-même
écrit, en portugais, en vue dune publication au Portugal, et nous avons décidé,
exceptionnellement, de le publier tel quel (de même, le titre en portugais est de F.
Guichard).
Uma leitura possível de Jean
Giono : o vinho como revelador literário
Nós, quer geógrafos, quer historiadores, gostamos de utilizar citações literárias,
como se de fórmulas mágicas se tratasse, para abrir trabalhos que em seguida raramente
lhes fazem referência. Assim, servimo-nos delas apenas como meras decorações de
fachada. Ora é pena. Poderíamos encontrar em muitos textos de ficção, se os lêssemos
de maneira menos distraída, matéria para empregar os nossos talentos disciplinares, para
explorar vias ainda pouco frequentadas ou até inéditas, e deste modo descobrir tesouros
escondidos. Além disso teríamos o prazer de conviver intimamente com uma expressão
escrita que poderia talvez suscitar em nós, como por osmose, uma maior exigência em
relação à nossa.
Felizmente há excepções que nos podem servir de referência, tal como a singular
leitura geográfica dos Lusíadas que soube fazer Orlando Ribeiro. Verdade é também que
há obras, como esta epopeia, particularmente adequadas para o efeito, por se inscreverem
deliberadamente num tempo e num espaço bem definidos, embora nem sempre redutíveis à
realidade concreta. Da mesma maneira poderíamos reflectir, por exemplo, nas vertentes
espaço-temporais de obras como Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, tão
cuidadosamente impregnada do seu contexto açoriano, ou A Jangada de Pedra, de José
Saramago, que promoveu a Península Ibérica e a fronteira dos Pirenéus à categoria de
verdadeiros actores romanescos. Noutras obras, como a de Julien Gracq, romancista mas
também geógrafo de profissão, é no próprio âmago da escrita que aparece a
sensibilidade ao espaço, à atmosfera.
A vinha, esculpida pela poda, que por sua vez molda e ordena a paisagem, bem como o vinho,
vector de jubilação e de loucura, constituem desde a Antiguidade ingredientes
literários muito apreciados. Conforme o caso e o projecto do autor, eles podem ser
simples cenários ou verdadeiros ordenadores da narrativa, suportes ou pretextos de
imagens, parábolas do sagrado ou molas da paixão, e de uma forma ou outra contribuem,
por pouco que seja, ao gosto e ao perfume que afinal de contas o texto exala. Por vezes,
no conjunto da partitura da obra, o momento exacto da entrada em cena da vinha ou do vinho
pode ter tanto ou mais importância que a própria música que eles executam.
Vamos tentar pôr em evidência esse momento, escutar essa música e interpretar-lhe o
significado, no caso de uma das mais potentes obras romanescas francesas do século XX, a
de Jean Giono (1895-1970), cuja excepcional força criadora lançou profundas raízes na
sua Provença montanhosa e dela fez surgir o universal, um pouco à semelhança de um
Aquilino Ribeiro ou de um Miguel Torga. Temos com efeito a impressão que num número
significativo de histórias construídas por esse feiticeiro do verbo, o vinho ocupa um
papel simbólico de primeira ordem que não foi ainda evidenciado como o merecia. É à
volta dele, com a sua intervenção ou a pretexto da sua presença, que se constrói o
momento decisivo da narração : o vinho teria assim uma função de revelador literário.
Um tanto paradoxalmente, apesar de quase sempre fazer parte da paisagem normal destas
terras altas da Provença interior, a vinha aqui raramente chegou a alcançar grande
prestígio e reputação. Pois é isso mesmo: ao lado da geografia do real e do concreto
existe também uma geografia do imaginário, à qual Jean Giono foi particularmente
sensível, e que o geógrafo também pode considerar como merecedora de estudo e
atenção.
* Editors note: this abstract does not fit in
with the usual criteria for Lusotopie abstracts (impersonal style, 15 lines maximum,
etc.). But it is the abstract that François Guichard wrote himself, in Portuguese, with a
view to publishing in Portugal, and we have decided, as an exception, to publish it as it
is (the Portuguese title is also from Mr Guichard).
In Search of Wine as a Literary Signifier: Re-reading Jean Giono*
Whether we are geographers or historians, we all enjoy using literary quotations to
decorate works which later only make passing reference to them. We mainly use them as a
kind of superficial embellishment. This is a pity: if only we could read so-called
fictional texts a little less absently, we might find something to exercise our particular
disciplinary talents, explore little-used or even undiscovered paths, and unearth
unsuspected riches. Not to mention the bewitching pleasure we would gain from coming into
intimate contact with a form of written expression of a quality we ourselves could never
hope to approach, but which might perhaps instil in us a little more discipline in the way
we write.
Fortunately, there are exceptions which can serve as references, such as the astonishing
geographical reading of Lusíadas achieved by Orlando Ribeiro. Works like this lend
themselves better than others to fitting into a precise time and space: for example, Mau
Tempo no Canal (1944), by Vitorino Nemésio, so carefully woven into its Azorean context,
or A Jangada de Pedra (1986), by José Saramago, which represents the Iberian Peninsula
and the Pyrenean border as actors in their own right. Then there are other works such as
that by Julien Gracq, writer but also geographer by profession, in which sensitivity to
space, atmosphere, and landscape penetrate to the very core of the writing itself.
The hand-sculpted vine, which in turn shapes and orders the landscape, and wine itself,
bringing happiness and folly, have been popular literary ingredients since ancient times.
They vary from mere physical settings to actual protagonists, backdrops or pretexts,
parables of the sacred or sources of passion, and always contribute to the taste and scent
that the final text exhales. The moment at which they make their appearance can be as
important, in the score of the work as a whole, as the music they play.
We will attempt to highlight this moment, to listen to this music and to interpret its
meaning, in one of the most powerful collections of works of the 20th century, that of
Jean Giono (1895-1970), whose exceptional creative force was deeply rooted in his
mountainous Provence and who managed, through this region, to evoke the universal, rather
like Aquilino Ribeiro or Miguel Torga. In many of the stories constructed by this
magician, the reader is left with the impression that wine occupies a crucial symbolic
role, one that has not yet been highlighted as it deserves to be. It is around wine, by
its intervention or its presence, that the historic moment of narration is built: wine as
a literary signifier.
Rather paradoxically, although the vine has always been part of the landscape of the
Provence highlands, it has never managed to achieve prestige or a good reputation. For
this is the crux of the matter: alongside the geography of the real and concrete, there is
a geography of the imagination to which Jean Giono was particularly sensitive and which
the geographer too must consider worthy of study and attention. |